Como as manifestações sociais podem produzir insights para nossos negócios?

Os atuais movimentos (protestos) da sociedade representam uma fonte valiosa de informações acerca dos desejos que os motivam. Direcionadas a todas as esferas de governo, essas movimentações carregam em si reivindicações que há muito tempo já vem sendo feitas às empresas e às marcas em geral e que, a exemplo do poder público, vinham igualmente sendo ignoradas pelas corporações. A sociedade que protesta é a mesma que consome produtos e serviços, e da mesma forma que detém o poder de definir rumos políticos também pode destruir ou promover uma marca.
A primeira lição é ouvir as demandas, não há mais espaço para atuações unilaterais e para direcionamentos de mão única. Muito mais do que respostas reativas a uma crise, as convulsões sociais apontam rumos transformadores de comportamento coletivo. Todas as pautas discutidas pela sociedade estão construindo o novo perfil desse consumidor social. O cliente que consumia nossos produtos e serviços há dois anos atrás está literalmente esbravejando que seus desejos e necessidades foram modificados, suas aspirações não são mais as mesmas e seus valores estão sendo revistos e substituídos. Li em algum lugar que “os movimentos contemporâneos são os profetas do presente”.
Neste momento delicado tudo o que sabemos é que existe uma insatisfação generalizada. O que as pessoas exigem dos políticos também vão reivindicar de marcas e empresas. A promessa de felicidade irreal, que cria uma expectativa que nunca será alcançada, precisa ser substituída pela transparência e pela sinceridade. Antigos impasses de mercado, representados por estratégias de posicionamento preço/valor em desalinho, por exemplo, estão ficando obsoletas. Consumidores conectados não acreditam mais em falsas promessas e fazem questão de proteger sua rede de contatos de uma marca ou empresa com interesses escusos.
A ineficiência nos processos de gestão é recorrente na esfera pública, o cidadão vê sua relação de contribuinte/usuário em xeque e se percebe refém de um círculo vicioso de extorsão e desprezo. Empresas comprometidas devem repensar em qual dos lados desejam atuar. De que adianta movimentar investimentos significativos na área de tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, marketing e publicidade se na outra ponta o consumidor é abandonado sem receber o mínimo de assistência e acompanhamento e a gestão de marca é inexistente?
Opostamente a alguns movimentos, que teoricamente atuam sem liderança e buscam representar um sentimento coletivo intrínseco na sociedade nesse momento, marcas são ícones muito explícitos e representativos de um determinado grupo de usuários. No artigo Tribalismo no Marketing eu contextualizo exatamente sobre a questão da importância do comprometimento de uma marca com seu público e da necessidade de estreitar essas relações através de vínculos afetivos recíprocos. A ideia de marca líder tribal passa pela proposta de promover a socialização entre os consumidores abrindo espaços favoráveis a troca de valores, ao compartilhamento e ao fortalecimento das relações entre os membros, se colocando como elemento centralizador e a serviço dessas transações.
É visto que um dos principais desafios das coletividades é conviver com pensamentos, ideias e condutas opostas. Voltando ao segundo parágrafo, há que priorizar o exercício de ouvir para na sequência avaliar as possibilidades de cooperação entre todas as partes. Diante de um consumidor cidadão, reivindicador e consciente de seu poder influenciador, é essencial adotar um compromisso social, ser capaz de entregar algo mais do que simplesmente produtos ou serviços. A sociedade demanda por uma reformulação de conceitos e atitudes e o consumidor espera que as organizações sejam suas aliadas nessa busca.
Cabe deixar claro que esta argumentação não defende ou estimula a participação das marcas na discussão político/ideológica, uma vez que uma estratégia mal administrada nessa direção, pode resultar em prejuízos de imagem dificilmente contornáveis. Defender um posicionamento ou não é uma questão de escolha porém, ter atenção ao comportamento do público produzirá insights valiosos sobre suas exigências e necessidades. Chamo a tenção que no curto prazo essas transformações que ocorrem na sociedade serão muito mais culturais do que propriamente políticas e vão resultar no surgimento de outros modos de vida e numa reformulação de valores sociais.
Estamos vivendo momentos históricos, a sociedade quer ser ouvida, exige respeito, quer acelerar processos e clama por soluções rápidas e eficazes. Assim como a velha política, empresas estagnadas e em descompasso com o consumidor moderno vão perder mercado, ou se adaptam à nova realidade ou serão depostas. Não é fácil mas a exemplo do que acontece com o país, as organizações terão que figurar como entes que entendem os problemas de seus clientes e assumem o compromisso de tentar resolvê-los ou pagarão o preço por serem organismos indiferentes, sobrevivendo em um barco à deriva.